quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Uma história e outra e outra e muitas da mesma


No ano passado minha mãe pediu que ajudasse minhas sobrinhas com o assunto de uma prova que teriam por aqueles dias. Enquanto respondia “Claro, à noite vou aí” pensava “Caramba, foi cedo demais, esperava passar por isso com a Marina e bem mais tarde, espero que não seja prova de História”. Obviamente era de História e o assunto – ahá! – Ditadura e direitos políticos no Brasil.

Estavam as duas adolescentes de 13 anos, a amiga de 14 e minha pequena, com 6 anos. Minha mãe também me olhava quase pedindo desculpas e deu um risinho “Eu sabia que você não ia gostar muito, mas elas não quiseram minha explicação...” e saiu da sala de estudo.

Foto dos interrogadores da ditadura cobrindo o rosto. A moça de 24 anos é Dilma Rousseff. Ano: 1970 

A Assembleia Legislativa de Maceió tem uma parede enorme nos fundos, que chamamos de “paredão” e ali na calçada, quando eu era criança, havia várias barracas que funcionavam como sebo e onde eu trocava gibis e revistas. Certa vez, durante uma reportagem sobre a ditadura, minha mãe contou que era comum ver pessoas sendo jogadas pelo “paredão”. Como, na mesma época, havia morado em São Paulo contou que quando o familiar de algum conhecido “desaparecia” aquela família deixava de ser visitada e era imediatamente ignorada por parentes, vizinhos e amigos. Minha mãe foi roceira na infância, estudou até a (antiga) terceira série e interrompeu os estudos para trabalhar, destino igual ao de suas amigas. Quando deitava à minha frente as suas lembranças o fazia com o coração, não fazia juízo de valor, não falava em política partidária e nunca soube que havia diversos países em situação semelhante. E eu não questionava, não pedia datas ou nomes ou referências. Minha trazia o tom de voz grave, a cabeça baixa que ela sempre faz para falar sobre tristezas e o olhar distante de quem viaja para dentro - aquela sentimentalidade que só tive através do contato com a-história-que-só-ela-pode-contar.

Sobre Quem Escreveu Algumas Histórias

Ajudei-as nos estudos, baseando-me nos textos oficiais e pontuando a história que não estava em suas anotações.
Quase a cada parágrafo eu dizia “Olhe, responda como foi dito nas aulas, mas o que aconteceu tem outra versão...” e ia apresentando outra e às vezes outras visões da mesma história. Tiveram nota boa, respondendo como era para responder, mas por esses dias comentaram que só lembram da parte que eu contei e não estava nos livros.


Senado brasileiro no dia 29/08/2016

Na última segunda-feira, assim que cheguei em casa, liguei o notebook e acessei à TV Senado. Marina queria ver desenho e pedi que deixasse para o dia seguinte porque eu precisava ver aquilo. “Aquilo” era o segundo processo de Impedimento ocorrido no Brasil. Ponto. Em poucos minutos minha filhota percebeu do que se tratava e falou, no tom de aclamação que ela deve ter visto em algum lugar “FORA DILLLMA! FORA DILLLMA!”. É raríssimo eu falar com ela sem olhá-la, mas de olhos voltados para a tela eu disse “Não repita isso! Não é coisa que criança fale.” Percebi o silêncio e olhei para seu rostinho, interrogativo, que logo perguntou
- Mas isso não é palavra feia...é?
- Não, mas é coisa que as pessoas só podem falar quando entendem.
- E o que é?
- Olhe, eu quero mesmo assistir, isso é importante, quando terminar eu explico.



Para mim o problema não era tirar a Dilma (sim, a mesma da outra foto, em preto e branco), mas haver outro Impedimento presidencial em tão pouco tempo de voto direto. O problema era aquilo estar acontecendo e eu não ter ouvido comentários nos grupos de que participo, nem nos ônibus ou no trabalho. A separação de um casal de apresentadores de programas de TV era assunto. Há muitos anos não assisto à televisão, não leio jornais nem revistas, adotei a máxima “o que é importante acaba chegando até mim”. Entretanto, neste caso, por não ter acompanhado até ali eu precisava testemunhar ao menos os últimos passos, as falas, os semblantes, frases ditas com o microfone aberto.


Imagem daqui
Em algum momento minha filha terá uma prova de História e este assunto deverá ser estudado. Vou repetir o ato de minha mãe e deixar meu coração falar sobre o que vivenciei nesta semana. Fazer a transmissão oral, que nunca vai deixar de existir, e que apresenta os fatos como nenhuma “ferramenta de busca” da Internet pode fazer. Talvez se lembre da mãe com semblante contraído olhando o notebook e respondendo sem olhá-la. Certamente a história que contarei no futuro será diferente da que contaria hoje, mas em todas elas, seja qual for o tempo em que falar, haverá meu coração ali.

2 comentários:

Thiago R. disse...

Alexandre Garcia - História e verdade
https://www.facebook.com/alexandregarciaoficial/posts/1638900219754323

Desde que estou nas redes sociais, tenho aprendido muito com a crítica. Mas há dias uma certa Associação Nacional de História postou o seguinte: Lembrando Alexandre Garcia foi portavoz do ditador João Figueiredo(1974-1978) e acha que “estão ensinando história errada nas escolas”. Respondi: Obrigado por comprovar minha tese de História errada: o presidente 1974-1978 era Geisel. Não precisaria dizer mais nada. Envergonhados, apagaram o post.
Poderia continuar, perguntando a eles quem era o portavoz de Figueiredo. Se levassem História a sério veriam que se chamava Saïd Farhat, que foi demitido, entrando em seu lugar o embaixador Carlos Átila. Durante 18 meses fui literalmente o sub do sub, porque abaixo de Farhat, Ministro e portavoz, havia um secretário de imprensa e eu era subsecretário para a imprensa nacional. A raiva deles deve vir do seguinte: na edição de domingo, 17 de agosto de 1980, eu dei entrevista ao Correio do Povo, que era o jornal mais importante do Rio Grande do Sul, revelando que a sucessão de Figueiredo seria civil. O título da entrevista, com chamada na primeira página, foi O Sucesssor de Figueiredo será Civil. A revelação repercutiu no dia seguinte em todos os grandes jornais do país.
A raiva deles é que isso derruba no chão a tese de que foram eles que acabaram com o governo militar, por meio do movimento “diretas já”. Ora, esse movimento só apareceu quase três anos depois do meu anúncio de que a sucessão seria civil e dentro dos partidos políticos. Portanto, já estava tudo decidido. Não foi a pressão das ruas, mas a vontade do próprio regime. Depois de Figueiredo, foi eleito Tancredo Neves, aliás da mesma forma com que foram eleitos todos os presidente militares. Geisel ganhou de Ulysses, lembram? Figueiredo ganhou de Euler Bentes, do candidato do MDB.
Disseram que lutaram pela democracia. Com bombas, sequestros, assaltos, execuções. Fui assaltado no Banco do Brasil em Viamão, pela Vanguarda Armada Revolucionária, quando era estudante de jornalismo. Na luta armada, que durou menos de dez anos, morreram 364 ativistas, segundo o livro Dos Filhos Deste Solo, do Ministro de Direitos Humanos de Lula, Nilmário Miranda, ele próprio um dos que lutaram contra o governo. Somando-se aos que foram mortos pela esquerda armada, chega-se a um total inferior a 500 vítimas em 20 anos. Isso equivale a três dias de assassinatos no Brasil de hoje. Pelo que contam alguns professores, a verdade está anos-luz à frente da versão ideológica.
São dados para fazer voltar a realidade da História recente. Que os jovens talvez desconheçam, porque receberam informações mirabolantes de alguns professores. Os tais da postagem me chamaram de lambe-botas dos militares. Isso é impossível, porque eu teria que lamber meus próprios coturnos, pois felizmente cumpri o serviço militar obrigatório e tenho a honra de ser reservista do Exército Brasileiro, onde aprendi a aprofundar minha formação de casa, de amor à Pátria, honradez, disciplina, respeito aos outros, às leis e à ordem.

Patrícia Santos Gomes disse...

Boa tarde, Thiago! É o que eu disse na postagem: uma história e outra e mais outra!
Obrigada pela visita, amore! E volte sempre _/\_