quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Mi casa, su casa

Mi casa, su casa (imagem daqui)


Uma mulher de seus 30 anos me contou sobre um aborto que desejava realizar. Dentre os tantos motivos estava o de que uma gravidez iria “modificar seu corpo”, o que ela não queria de forma alguma. Não se trata de alguém que necessite que o corpo esteja especificamente de algum formato para que possa trabalhar, por exemplo.

E a minha questão é esse corpo. Não é uma questão de agora, é de dezenas de anos.

Que corpo é esse, para que serve, a quem serve, ele deve ter serventia, pessoas devem ter serventia? O corpo feminino, que durante tanto tempo pertenceu a diferentes donos, quando parece retomar a si e poder descansar...continua “servindo”. À vaidade? Ao mercado de trabalho? Aos homens? Aos coletivos de mulheres? Aos olhares alheios?

E o corpo da criança em formação? 
(Durante toda a conversa a mulher falava embrião e eu me referia a seu filho como bebê ou criança.)

A criança fez um longo percurso na história da humanidade para ser reconhecida como sendo diferente do adulto e digno de direitos especiais. Esse percurso, inclusive, continua em lenta construção. Se antes sequer sabíamos que o sexo levava à gravidez, agora chamamos o bebê de embrião e conseguimos aliviar um pouco o peso de enxergar ali um CORPO. Interromper uma gravidez sempre levará a um corpo que deixará de existir. Mesmo que se chame de embrião, feto, problema...

E a minha dúvida cresce ainda mais! Que tão pouco valor esse corpo tem – ainda sem braços e cérebro – que não merece um banho de mar, cócegas na barriga, dormir barriga-com-barriga se tiver cólicas, se reconhecer no pai e na mãe, olhar-se no espelho, descobrir seus dedinhos? E quando coloco o contraponto das estrias ou celulite ou barriga flácida, então a mesma pergunta vale para a mãe: que tão pouco valor tem essa pessoa, que precisa resguardar o que será (caso não morra antes) levado com a velhice?

A impressão que tive é de que a infância, por mais que façamos sua defesa, está muito muito muito desprotegida.

PS.: Não fiz o julgamento moral dessa pessoa, estou falando das reflexões que ecoam dentro de mim e que surgiram após essa conversa.

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