quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Antes eu era generosa, agora sou xiita

Imagem daqui
Já falei do Seu Carlito aqui. Ele continua, como vem fazendo há anos, limpando a lixeira dos 16 apartamentos do nosso prédios e todos os dias vem recolher os recicláveis que são rentáveis para ele: alumínio e plástico.

Há alguns anos, ainda namorando (own que lindo), meu marido disse que eu era muito generosa. Achei o elogio exagero de apaixonado, embora tenha ficado lisonjeada. Resolvi fazer uma pesquisa entre amig@s, colegas e familiares e foram unânimes, então aceitei o que acredito ser herança paterna. Outro dia desses Paulo me repetiu a observação, então acho que ao menos nisso não mudei.

Na fan page do MILC (https://www.facebook.com/InfanciaLivredeConsumismo) rolou uma discussão após uma postagem sobre o Mauricio de Sousa. Parece que @s leitor@s não entenderam bem a OPINIÃO do Movimento e criou-se um alvoroço. Está lá, dentre os comentários a ofensa de que o grupo estaria sendo "politicamente correto demais"*.


Tenho escutado muita gente xingando as pessoas que querem fazer o certo de politicamente corretas ou politicamente correta demais. Eu ia falar uma porção de coisas, mas encontrei a imagem lá de cima que diz tudo. É o velho lance "uma imagem vale mais que mil palavras".

As pessoas que fazem o MILC trabalham dentro e fora de casa, estudam, tem família, doença, problemas, morte da família, não são ricas e bancam $ o movimento. Elas já pensam daquele jeito e é assim que criam sua descendência. Só que para elas isso é pouco. Querem o bem para um leque maior de pessoas. Então...tchamram...se desdobram, doam horas de sono e descanso para fazer a coisa acontecer, pensam sobre o assunto, pesquisam, debatem, escrevem (para mim, uma das partes mais difíceis do processo)...simplesmente porque querem que o filho do njhdqufnfh que mora na mfclajrwur tenha uma vida digna.

Além da iniciativa de separar os recicláveis tenho outras atitudes normais, generosas, cidadãs, que servem de chacota, e dão-me a pecha de louca ou xiita. Coisas simples mesmo, como organizar o chá de bebê da adolescente-aprendiz que mora na periferia mais violenta da cidade e será mãe solteira ou recusar sacolas plásticas quando o produto adquirido cabe na minha bolsa ou levar para a UFAL, fono e para a psicoterapia meu próprio copo - evitando o uso dos descartáveis.
Será que quero salvar o mundo com a caixa de recicláveis que instalei aqui no nosso andar ?

Alguém aqui do prédio vive roubando o balde que seu Carlito usa para lavar a lixeira. Seu Carlito se aborrece com isso. Para ele, é o maior problema que enfrenta aqui. Trabalha sem luvas, com uma vassoura pra lá de velha e cantarola o tempo todo. Seu Carlito adora minha Marina. 

Mesmo que eu não estivesse nem aí para o futuro do planeta, eu conheço Seu Carlito. Seu Carlito não conhece Manuel Bandeira nem o poema abaixo. Mas eu conheço.

O BICHO
Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.
Rio, 27 de dezembro de 1947.


* Vale a pena ver esta definição http://pt.wikipedia.org/wiki/Politicamente_correto

3 comentários:

Ana Cláudia disse...

Estou sem palavras. Um beijo no seu coração.

Ana Cláudia disse...

Estou sem palavras. Um beijo no seu coração.

Anônimo disse...

Patrícia, muito bom seu texto. Estranho esse mundo em que vivemos. Quem tenta fazê-lo melhor é discriminado e ridicularizado. Mas não desistimos e é muito bom encontrar outros malucos para tecer a rede do bem. Bjos!
Claudia Visoni