quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Numa tarde fria


Apenas no ano passado fui a São Paulo três vezes. Contando com essas, em todas as anteriores nunca peguei uma tempestade na cidade. Na região da Serra da Mantiqueira, sim, tempestade de fazer medo, mas o sonho não foi na serra e sim na cidade. Em meio aos apáticos pedestres e pulsação da cidade.

Estávamos em quatro e minha amiga organizava as reservas com o recepcionista enquanto eu observava a chuva pela porta do hotel. Havíamos subido cinco degraus forrados de tapete vermelho e eu esperava ao menos cheiro de mofo no local. Nada. Aliás, cheiro de chuva...mas não o cheiro que sentimos em nossa casa, que é de terra molhada...era um cheiro molhado, um barulho espalhafatoso de tempestade, um friozinho de gelar a ponta do nariz e a isso nomeei "cheiro de chuva". 

À esquerda de onde estávamos uma pequena mesa redonda em madeira marrom sustentava um vaso de porcelana com flores bem arranjadas. Por instantes esperei que, de repente, Humphrey Bogart finalmente aparece (em cores) naquele salão e algum piano tocasse Casablanca. Ao invés disso, recebi um cartão e cada um dos meus colegas também. Olhei para a mão de minha amiga e pensei "Não deveríamos ficar no mesmo quarto?"
- Qual é o teu andar? Perguntei enquanto arrastávamos as malas.
- Décimo segundo, o teu quarto é aqui, terceiro. Disse-me, parando o elevador e praticamente me levando até meu aposento.


Fiquei sozinha ali no corredor cinza e preto - no chão, de novo. Nada de mofo, nada de sons. É o pior momento de uma hospedagem em hotel, sempre tenho a sensação de que haverá alguém no quarto que estou prestes a abrir ou que o cartão não vai funcionar e terei que voltar para a recepção ou de que algum empregado local vai olhar para mim com ar desconfiado. Nunca acontece nada disso. Novamente, esperei tudo isso e algo inusitado demais para minha criatividade. O inusitado surgiu quando abri a porta. Vi-me diante de um janelão de vidro com borda em bronze. Borda fina e desgastada, mas pelo visto recebi o quarto com o pé direito mais alto do prédio! Sim, havia uma cama de casal com colchão de futon e não liguei as luzes, deixei que o sol acima das nuvens me fornecesse o quarto mais aconchegante que já havia visto. 

Assim que peguei o telefone para chamar minha amiga e compartilharmos daquela visão a porta do quarto abriu e ele entrou. De camiseta branca, dessas Hering que homens costumam usar por baixo de camisas de manga comprida. Dessas que homens com o corpo dele podem muito bem sair usando na Avenida Paulista e atravessar em qualquer ponto sem faixa de pedestre sem-medo-de-ser-atropelado.

Vamos a Ele. Ele, que não foi citado antes, certamente continuaria coadjuvante se não fosse a ousadia de perturbar meu sono, invadir meu sonho e ainda por cima de camiseta branca e em perfeito e absoluto silêncio. Silêncio desses que precede a algo raro, um silêncio de carvalho, que nada consegue adentrar, que obriga a todos os sentidos se aguçarem e faz o corpo perceber a maciez da pele do outro sem nenhum toque sequer.

James Dean e nadaver com o "meu" cool guy
Eu estava sentada no meio da cama, olhando para a chuva e segurando o telefone. Olhei para a porta e lembro apenas de ver seu olhar fixo em mim e sentir, imediatamente, o cheiro de sua respiração. Tão perto estávamos que tive receio de respirar fundo e incomodá-lo, no entanto precisava respirar, coisa que não fazia há alguns segundos. Ins-pi-rei bemmmm devagar, soltando o telefone e ex-pi-rei len-ta-men-te, sorrindo com os olhos e apontando para a vista. Seus olhos continuavam em mim. O calor da sua pele explicou a vestimenta mínima para aquele dia tão frio e então comecei a ficar confusa, as ideias embaralhando e o que eu achava ter sido um presente dos céus se transformou em "E se veio pedir o carregador do celular?" "E se quiser apenas continuar o trabalho?" E se..." sua mão abraçando minha nuca e o sorriso de quem lê pensamentos alheios foi um banho de felicidade quente num corpo que tremia de ansiedade - e nenhum frio, nenhum medo.

Sério: acordei.

4 comentários:

Debbie Liz disse...

Olá Patrícia!
Acabei de conhecer seu blog e me deparei com esse texto que me prendeu a atenção até o fim. Pena que era só um sonho.
Adorei o texto e já vou seguir o seu blog.
Beijos!!!

Patrícia Santos Gomes disse...

Massa que gostou, Debbie <3 Fico encantada com isso!
E não foi uma pena não, amora, a gente também precisa sonhar ;-) mas entendi: "pena que não foi verdade" mas é como eu digo p/ minha filha "Só pq foi sonho não foi verdade? Quem disse?"
Obrigada por acompanhar
Beijos

Pr Murilo Gomes disse...

UAU!!! Muito bom.
Realmente de tirar o fôlego. É do tipo de texto que nos faz imaginar a sena como se estivéssemos assistindo tudo, ao vivo.

Patrícia Santos Gomes disse...

Obrigada, Murilo! Pelas palavras e a visita.
Bessos, querido!